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Especial Dia da Mulher: Entrevista exclusiva com May “Undead” Puertas

Dia 8 de março é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Embora seja uma data “consagrada”, o feminicídio no país apresenta números estarrecedores, então é fundamental que a Mulher como tema, continue sendo abordado em busca de colaborarmos positivamente nesse cenário. Em homenagem às mulheres, e às Extreme Sound girls, falamos com exclusividade com uma grande mulher, que tem voz dentro e fora da música. Com vocês, Mayara “Undead” Puertas, vocalista do Torture Squad e a RxNxS.

1 – O Brasil é um dos cinco países no mundo que cometem mais crimes contra a mulher. Sendo uma mulher de expressão, como vê a sociedade que estamos inseridos, e como seu trabalho pode contribuir nesse contexto?

May Puertas: Nas minhas atitudes isso não se restringe apenas ao meu trabalho artístico, como mulher brasileira lutamos contra essa estatística todos os dias, nos meus canais de divulgação procuro trazer informação e promovo trocas de experiências onde mulheres se permitem contar sobre sua realidade. É responsabilidade também dos homens que são músicos de grande expressão promover debates através da música que levem a essa reflexão, e não esperar que essas atitudes transformadoras partam apenas das mulheres.

2 – O isolamento social promovido pela pandemia, ao colocar os casais dentro de casa, limitados para sair, fez com que a violência contra a mulher aumentasse. Enquanto o discurso hipócrita falava em “sairmos melhores” dessa, a pior face tem se revelado. Essa triste realidade serve de inspiração para compor?

MP: Não estive compondo nada sobre isso durante a pandemia, este período está sendo difícil e é difícil manter-se criativo. No novo álbum do Torture Squad pela primeira vez fiz uma letra que traz uma experiência pessoal de luta contra ansiedade e depressão, mas foi composta muito antes disso tudo começar. Gosto de escrever sobre figuras femininas que inspiram poder como fiz anteriormente com Maha Kali, e posso adiantar que nosso próximo trabalho também terá uma figura milenar feminina reconhecida em diversas culturas por se opor à dominação masculina .

3 – Rita Lee foi uma espécie de “rainha do rock” no Brasil por cerca de duas décadas, realizando um trabalho consistente na música, desde os Mutantes, e quebrando tabus fora da música. Em algum momento, o país perdeu a oportunidade de seguir tendo representantes femininas no rock ao não dar continuidade ao caminho que a Rita Lee abriu?

MP: Adoro o trabalho dela e gosto muito das músicas , é muito fácil para uma mulher se identificar com suas letras, mas do meu ponto de vista ela faz parte de um cenário musical diferente, que envolve a música mainstream em geral, então não consigo traçar esse paralelo.

4 – Você assumindo os vocais do Torture Squad, o crescimento da Nervosa, foram movimentos que colocaram a mulher em evidência no cenário do rock. O que se vê são novas bandas femininas, percebe-se uma oxigenação nesse sentido. Enquanto mulher, você sente alguma responsabilidade extra?

MP: Sim. Como falei anteriormente, é comum colocarem a responsabilidade de mudar isso nas mulheres, mas nós somos as vítimas deste cenário social que só terá uma mudança efetiva com responsabilidade por parte dos homens também . O Torture Squad conseguiu chamar atenção para uma quebra de tabu de bandas extremas tradicionalmente formadas por homens, assim como o Arch Enemy também teve grande repercussão, e creio que nos últimos 10 anos isso finalmente tem se tornado natural.

5 – Graças ao trabalho e exemplo consistente de profissionais como você, a sensação que se tem é que a presença da mulher no rock ou no metal, é um movimento que não se tem mais como reverter. A partir de agora, cada vez mais, teremos mulheres integrando grandes bandas no país? O homem que torce o nariz estará entrando em extinção?

MP: Não há por que reverter algo que é benéfico, e a cena Metal cresceu ainda mais com a presença das mulheres.

6 – A beleza inserida num ambiente machista leva-se à uma dicotomia. Por um lado, atrai fãs, curiosos e admiradores. Por outro, também chama a atenção dos preconceituosos, com comentários e atitudes deploráveis. Em algum momento você se viu renegando sua aparência para fugir dessa situação?

MP: Veja bem, O que as pessoas consideram feio e bonito é apenas um ponto de vista. Mas em uma sociedade que automaticamente desvalida mulheres julgando-as por sua aparência, se vestir de maneira “neutra” é uma ilusão de tentar trazer o foco para o trabalho executado, mas sabemos que não é sobre a forma que nos vestimos certo? Então, quando passei a me importar menos com o que iriam pensar me senti mais segura para me vestir da maneira que me sinto bem.

7 – Você também atua como professora de canto, focada no seu estilo principal, o thrash e o death metal. Fale sobre esse trabalho, seu modelo de ensino e o perfil dos seus alunos.

MP: Comecei essas atividades há mais ou menos três anos como professora de canto voltada para voz extrema e esse trabalho evoluiu para produção artística e fonográfica. Também trabalho em parceria com Lauro Nightrealm (Incinerad/ ex- Nervochaos) produzindo videoclipes com a TEMPLE OF ARTS . Gosto muito de acompanhar o desenvolvimento de artistas que muitas vezes começam do zero e hoje tem seu trabalho desenvolvido como profissionais, a banda CRAS, que recentemente lançou seu primeiro clipe pelo canal Hardcore Worldwide é uma delas, ambos os vocalistas são meus alunos e estou muito orgulhosa do resultado deste trabalho. Você pode ver meus alunos também em bandas como Dakhmas, Final Disaster, Demophobia, The Damnation, Amuro e muitas outras que serão lançadas em breve . Um curso on-line está nos planos também.

8 – Nós temos várias referências que se pode citar quando falamos em vocalista de metal, de Doro Pesch à Angela Gossow, que podem ter te influenciado. Mas gostaríamos de falar sobre suas influências enquanto compositora. Na hora de escrever, de onde vem a inspiração de May “Undead”?

MP: Não é difícil que as pessoas pensem que uma garota se influencie apenas por mulheres, mas quando comecei a ouvir este estilo não era tão fácil ter acesso a figuras femininas que nos representassem. Doro Pesch me influência como figura feminina e bastante no meu estilo de me vestir atualmente, mas não fez parte da minha construção vocal .  Sharon den adel Do Within Temptation influenciou muito do meu vocal “limpo” assim como Bruce Dicknson e André Matos, e nos guturais minhas principais influências vem do Cannibal Corpse, Behemoth, Dimmu Borgir e Hypocrisy . Sem me esquecer de Rachel van Mastrigt-Heyzer que foi a frontwoman do Sinister que mais me influenciou a cantar metal extremo.

9 – Com a pandemia e a ausência de shows, todas as bandas praticamente ficam sem novidades. Mas o que você pode falar sobre os próximos passos do Torture Squad?

MP: De 2020 a até os dias de hoje houveram poucos momentos em que o Torture Squad esteve sem atividades, respeitamos o isolamento social mas não paramos de produzir, todos os meses trouxemos apresentações no formato “Live Session” e também entrevistas com pessoas que fizeram parte de nossa carreira. Retomamos as gravações do disco em setembro de 2020 e agora encontram-se finalizadas, esperamos lançar este material ainda este ano.

10 – Sua entrada no TS junto com o Rene Simionato, não só trouxe a novidade de um vocal feminino, que era inédito na história da banda, mas também trouxe uma estabilidade para a formação, que permanece a mesma, desde então. Embora vocês tenham uma espécie de torres gêmeas (Amílcar e Castor), isso faz diferença?

MP: Quando eu comecei a ensaiar com o Torture Squad o André Evaristo ainda era o guitarrista e alguns meses depois houve a mudança que resultou na entrada do Rene. Sempre trabalhamos levando a banda muito a sério, comprometidos com a jornada de tours em paralelo às composições. Toda banda tem suas dificuldades e mudanças de formação são naturais, o mais importante é fazer música e estar numa banda porque te faz bem estar inserido nisso, e acho que é o que vem rolando com o TS desde então. Temos muito trabalho pela frente, me sinto confortável em estar na banda e também trabalhando projetos paralelos como o RxNxS e Fanttasma , sendo o idealizador deste último o guitarrista Rafael Augusto Lopes que também fez parte do Torture Squad da era Hellbound até Aequilibrium.

11 – Existe muita curiosidade para seu trabalho com o RxNxSx. O que pode nos falar sobre ele?

MP: Os meninos do RxNxS são meus amigos há quase 10 anos, e entrei para a banda em 2019. Fizemos um videoclipe e um EP com três músicas que são três contos de terror, abordando temas como doenças, transtornos e ficção científica, com um toque de humor e sarcasmo. Estamos procurando um selo parceiro para este lançamento. Todos na banda cantam , então se torna uma apresentação muito dinâmica e divertida. Fizemos uma tour no fim de 2019 antes da pandemia e esperamos que em breve possamos fazer o mesmo, divulgando o novo trabalho.

 


12 – Para encerrarmos, voltando ao tema inicial, quando colocamos um homem e uma mulher para uma função de alto desempenho, percebemos que são absolutamente compatíveis em termos de performance. Porém, vejo determinadas nuances no trabalho de uma mulher, seja dirigindo um filme, escrevendo, cantando, que o homem não consegue replicar. O que poderia falar sobre essa reflexão? Aproveitando para pedir que deixe um recado pessoal em razão do Dia Internacional da Mulher. Obrigado por falar a Extreme Sound Rec.

MP: Eu teria de discordar sobre essa reflexão, pois não acredito que as pessoas sejam incapazes de executar qualquer atividade apenas baseando-se em seu gênero. Somos diferentes, e cada um se destaca nas habilidades que desenvolveu, isso é normal. O que é preciso seria gerar oportunidades mais igualitárias para desenvolvermos essas habilidades como seres humanos.

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