Para quem acompanha o meu trabalho (se é que alguém possa fazer isso), sabe que tenho fascínio, e por que não, uma fixação por bandas formadas por integrantes encapuzados, cujos nomes e identidade, não são mencionados ou revelados (pelo menos, não nos primeiros anos de carreira).
E é essa fixação que me levou a conhecer bandas muito boas como o Mgla, Batushka, os brasileiros Jupiterian,Lacrima Mortis e o grupo que trago na resenha de hoje,os cariocas do 7Peles. Lembro-me de ter esbarrado no trabalho dos caras, enquanto buscava referências nacionais para ajudar a compor o meu estilo vocal no que viria ser o primeiro trabalho da minha banda, o Prophecies of Plague da Sacramentia.
Formada em 2016, o quinteto toma para si o próprio nome da banda, ou seja, todos ali são a imagem e semelhança do 7peles. Alias, o significado por trás do nome da banda é autoexplicativo, não é (pelo menos a nós brasileiros)?
A paixão pelo Black Metal foi o elo mais forte que unira essas cinco almas, mas se formos levar em consideração as inúmeras ramificações que o som de uma banda pode ser enquadrado dentro de uma única vertente, posso afirmar que o 7peles é mais precisamente uma banda de Orthodox Black Metal.
Trajando vestes e se comunicando com o público de forma a ser uma espécie de congregação às avessas, a banda traz a devoção a Satanás, a disseminação da palavra do príncipe do inferno e o desmascaramento do deus cristão como principais inspirações para as composições. As apresentações do grupo também fazem parte deste contexto,transformando o espetáculo em uma verdadeira missa negra.
Já para rebater as chamadas sagradas escrituras, o 7peles tem como embasamento, fundamentos encontrados no Luciferianismo, satanismo teísta e gnosticismo.
As primeiras amostras do som da banda vieram com os singles, Qayin, Heylel e Yehudhah Ish Qeryoth. Faixas essas que somadas a mais outras quatro, integraram o primogênito O Primeiro Evangelho do 7Peles lançado em 2019 pela Mutilation Records, selo que apoia a banda até os dias de hoje, sendo o principal responsável pelos lançamentos do sempre caprichado material físico do grupo.
Este primeiro tomo do Sete, como não poderia deixar de ser, apresenta sete faixas, cujo português e inglês se alternam em momentos distintos. Segundo a banda, os momentos cantados em nossa língua materna são as passagens mais importantes que devem destacar-se de cada composição, fixando-se na cabeça do ouvinte. Neste debut é nítida a influência do Mayhem no som da banda. Na época em que descobri o trabalho, estava completamente imerso na obra dos noruegueses, e achei incrível o fato de termos uma versão tupiniquim.
Por ironia do destino, a boa recepção do álbum de estreia além de atrair a curiosidade do público, garantiu ao 7Peles a possibilidade de abrir os shows do Mayhem, ao lado das também brasileiras Enterro e Svatan durante a turnê comemorativa do icônico disco The Mysteriis Dom Sathanas. Além da notória participação, o Sete ainda contou com a presença em palco do icônico vocalista Atilla Csihar dividindo os vocais da clássica Beyond do Tormentor.
Depois de alcançar todas essas graças infernais, uma pandemia assolou o mundo e assim como muitas outras bandas, o 7Peles fora afetado pelo cancelamento de shows e o isolamento social. Mas a determinação que desde os primórdios se fazia presente no grupo mais uma vez perseverou, e assim, durante o feriado cristão no final de 2020 (também conhecido como natal) O Segundo Evengelho do 7Peles veio à tona. Porém com este segundo trabalho, o Sete buscava criar uma forma própria de tocar o Black Metal que pulsa na sonoridade do grupo, e deixar ainda mais clara a mensagem que queriam passar para o público.
Sendo assim, todas as sete novas composições agora apresentavam letras unicamente em português e algumas pitadas de outras vertentes do metal, resultando ao final da audição, um disco de Black N Roll, uma ramificação que mescla o espírito do Motorhead, a agressividade do Venom e a espontaneidade e energia das bandas da primeira e segunda onda do Black Metal. Assim como o trabalho de estreia, uma caprichosa edição física foi lançada ainda em parceria com a Mutilation.
Mesmo tentando explicar essa nova sonoridade, O Segundo Evangelho do 7Peles, traz uma mistura ímpar na evolução da banda, que neste trabalho buscou influências de Titãs à Mystifier. Apesar da estranheza inicial com a mudança na abordagem musical, foi a partir de novas audições que pude me adaptar e apreciar essa evolução da banda. Deste trabalho, destaco as faixas Menage de Lameque, Tempo dos Templos (que conta com a participação do guitarrista do Mayhem, Ghul) e Mestres da Lei e Fariseus detentora de um refrão contagiante que custa a sair da cabeça. Vale a pena mencionar a oitava faixa do trabalho, uma versão sensacional da clássica The House of The Rising Sun do The Animals.
Chegamos finalmente no atual momento, precisamente em maio de 2022. O Covid-19 parece aos poucos tirar o pé do acelerador, e com isso, o mundo vai voltando a uma rotina entre trancos e barrancos. Nesse ínterim, o 7Peles buscou permanecer ativo nas redes sociais, realizando lives, e o mais importante, adiantando o processo de composição e produção do disco que dissecarei a seguir, O Terceiro Evangelho do 7Peles.
Com o rufar de bateria somos arrebatados com Vale dos Ossos Secos de pegada galopante e refrão contagiante que acompanha o riff de guitarra. A letra da música faz alusão e deturpa a passagem contida no capítulo 37 do livro de Ezequiel. De acordo com as escrituras, Ezequiel foi levado em espírito pelo senhor, a um vale que estava repleto de ossos. Ao passarem por entre as extensas pilhas de ossadas o profeta pode comprovar que os ossos estavam sequíssimos. Assim o senhor pediu ao homem que profetizasse perante aqueles restos, trazendo-os de volta à vida.
Uma ótima faixa de abertura que tem os seus momentos de complexidade, porém sem o exibicionismo e virtuosismo exacerbado que parece estar incrustado em muitas bandas atuais.
Em Louvem, o Sete faz a inversão de valores de passagens contidas em Juízes 5:1 e ao Salmo 150:6 exaltando o eminente louvor e exaltação à Satanás. Destaque aqui para o riff inicial que traz uma atmosfera dark somada a pitadas a lá os primórdios do Judas Priest. Destaque para o competente solo de guitarra e levadas de contrabaixo.
Pérolas aos Porcos foi a primeira palavra deste novo evangelho a ser disseminada aos fiéis do 7Peles. E que música meus amigos. Os licks de guitarras são emblemáticos e grudentos, o que fará com que o botão de repeat seja ativado com frequência. O refrão é outra parte alta e faz coro com uma icônica melodia advinda também dos guitarristas.
O título e toda temática que permeia a faixa advêm de Mateus 7:6 onde uma espécie de orientação a respeito da fé é abordada, dizendo ao povo santo não perder tempo oferecendo as riquezas da fé aos cães, jogando assim pérolas aos porcos. No caso do Sete, essas riquezas são bijuterias descartáveis e vagabundas que são jogadas em formato de falsas promessas e esperança aos pequenos porcos cristãos pelos imundos pastores mundo a fora. Talvez esta seja a faixa mais acessível para àqueles que não estão habituados com sons mais extremos.
A quarta faixa Fruto Proibido traz um paralelo já traçado pela banda em O Segundo Evangelho, precisamente em Apocalipse 1:7:1, mesclando a crítica bíblica com questões políticas do nosso cotidiano, cujo país é governado por um total boçal e uma bancada evangélica formada por pessoas que operam como marionetes, tendo como base, o discurso ignorante e preconceituoso vindo do andar de cima. Um verdadeiro manifesto contra a turminha do “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A menção inicial a certa ministra é genial e ao mesmo tempo trás um humor mórbido, que poderia até ser errado, se não vivêssemos no país dos absurdos como é o caso do Brasil.
A Cura Dos Cegos traz a antítese de Isaias 42:16, onde somente através da palavra do evangelho do Sete, poderá curar os cegos e surdos da pior de todas as mazelas, maior ainda que a falta dos sentidos, a servidão e escravidão da fé em Cristo. Esta é uma das faixas mais pesadas do álbum com uma atmosfera e pegada que me remeteu ao Black Sabbath.
Com toques de Doom Metal, O Opositor traz uma ode, e ao mesmo tempo, uma espécie de linha cronológica da história de uma das figuras mais emblemáticas tanto da bíblia quanto da cultura pop, o Leviathan. Retratado pela primeira vez no capítulo 41 do Livro de Jó e no capítulo 27 do Livro de Isaías, a imagem deste ser colossal foi deturpada pela Igreja Católica durante a Idade Média, como o demônio representante do quinto pecado, a Inveja, também sendo tratado como um dos sete príncipes infernais. A banda parece querer fazer uma espécie de reparação histórica deste ser, colocando-o como uma criatura imponente e indestrutível, que atua na destruição do falso deus.
O grande clímax e encerramento do trabalho se da com Oh Salomé. Aqui a banda narra e exalta a figura de Salomé, considerada a mulher mais cruel da história judaico-cristã. A música foi o segundo lampejo do disco lançado até então em formato digital, tendo em vista que, até a data em que escrevo este texto, o trabalho ainda não se encontra disponível em nenhuma plataforma de streaming.
Lançado “no maldito feriado cristão”, como se refere a banda ao dia 15 de abril, O Terceiro Evangelho do Sete Peles foi gravado e produzido no HR Estúdio por Kléber França. A masterização ficou a cargo Perazzo Mortus do Estúdio Hanoi. Como de praxe, o material gráfico é de uma excelência sublime, que só se eleva ainda mais quando temos o cd físico em mãos, uma caprichada edição em digipack com direito até a verniz localizado.
As artes e o projeto são de autoria de Fabio Meneses da Ink Creations Artworks. Agradeço a Extreme Sound Records por me enviar o material físico, que sempre é um diferencial na hora de analisarmos a obra. Inclusive, este foi um dos argumentos de um dos integrantes da banda, no qual tive prazer em trocar algumas palavras.
Para o Sete, apesar de toda a facilidade do mundo digital, o bom e velho formato físico é parte integrante e muito importante do trabalho de uma banda de Heavy Metal (como sempre digo, o gênero naturalmente pede por isso), que age como um verdadeiro complemento na hora da audição. Quem viveu a era do disco do vinil certamente concordará com a visão do grupo.
Em suma, o 7Peles mostra em seu terceiro trabalho uma evolução natural e ainda mais apurada da mudança adotada a partir de 2020 com O Segundo Evangelho. As músicas vão direto ao ponto, porém, sem beirar a uma simplicidade infantil. A forma como a banda estuda bem o seu “inimigo” é pra lá de competente, fazendo da crítica à religião algo muito mais complexo do que apenas frases batidas entoadas ao léu por muitas bandas da mesma vertente. A mensagem passada em nossa língua materna atinge o ouvinte em cheio de forma hipodérmica, mesmo que para uma total compreensão e captação de algumas nuances dos temas, sejam necessárias mais audições.
O Terceiro Evangélico do 7Peles, é um ótimo registro de uma banda assumidamente suja, mundana, que deturpa as santas escrituras para seu bel prazer. Até mesmo porque, se pastores e políticos deturpam a palavra em prol da dominação e obtenção de votos, nada mais justo que um grupo, como o 7Peles, exorcize todo o ódio nutrido por esses chamados “homens de bem”, jogando mesmo sal na ferida e apontando os dedos para quem realmente precisa enxergar toda a imundice que o cerceia.
E viva a lei do Sete!
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Tracklist:
1-Vale dos Ossos Secos
2-Louvem
3-Pérolas aos Porcos
4-Fruto Proibido
5-A Cura dos Cegos
6-O Opositor
7-Oh Salomé