Resenha: Essential Morphine – Warshipper (2023)

Warshipper já está há uma década na estrada. Formado em 2013 na cidade de Sorocaba, São Paulo, o grupo é atualmente formado pelo meu xará Renan Roveran (até a sonoridade do nome e sobrenome é parecida) que além das guitarras também é o vocalista, o baixista (que também divide os vocais) Rodolfo Nekathor, o guitarrista Rafael Oliveira e o baterista Theo Queiroz.

Nestes dez anos dedicados a banda, o grupo além de ter lançado três álbuns de estúdio (Worshippers of Doom (2014)Black Sun (2018), Barren…(2020)) e uma luxuosa coletânea dupla (Past Essentials (2022)) , vem somando cada vez mais conquistas, sendo uma das mais recentes, a participação em um dos eventos mais importantes do Metal Extremo nacional (a menina dos olhos para qualquer banda do underground brasileiro), o Setembro Negro.

E fora o trabalho árduo e o profissionalismo que o Warshipper sempre demonstrou, o quarto disco do quarteto, que disseco a seguir, de certa forma, foi um dos fortes fatores que colaboraram para que a banda conseguisse embarcar no cast do grande festival. Então sem mais delongas, adentremos ao universo sonoro de Essential Morphine

O disco se inicia de uma forma gradativa, com um groove em fade in, que desemboca na agressividade Death/Thrash Metal iminente de Religious Metastasis. Gosto de interpretar essa constante crescente, como o a representação do início da infecção religiosa, nas veias da humanidade, que começou a se espalhar pelo mundo, o infectando de forma tamanha, a ponto de cegar tanto os próprios líderes, sempre sedentos pelo poder, assim como aqueles que o seguem fielmente, sendo capazes de cometer até mesmo a pior das barbáries em nome da proliferação da fé…

E justamente essa interpretação, casa perfeitamente com o teor da letra, (cantada de forma raivosa, com algumas pitadas que me remeteram ao Sepultura da era Max Cavalera) que exalta todos os malefícios e preconceitos exalados por aqueles que camuflam a própria perversidade por trás dos valores e crenças religiosos. Excelente abertura, que já demonstra todo o poderio e capacidade do grupo em fazer pescoços sacudirem de imediato!

Dando sequência a brutalidade, somos apresentados ao cadenciado riff de Migrating Through Personality Spectra, faixa que só pela complexidade do título, fator este que adoro, já me ganhou logo de cara. Aqui, além da pancadaria digna de inúmeros Mosh Pits, somos apresentados a momentos gloriosos de uma grandiosidade épica presenciadas em bandas como Behemoth, por exemplo. Vale ressaltar, que em momento algum as comparações que faço com outras bandas, não se tratam de um demérito ou mesmo cópia, mas sim, são uma forma de exemplificar e contextualizar o amigo leitor que, por ventura, possa ainda não ter entrado em contato com o disco.

E meus amigos, há um outro fator que colaborou para que esta faixa fosse a minha favorita do disco. Um fucking solo de saxofone. Puta que o pariu! Qual outra banda de Metal Extremo você conhece, que teve a ousadia de usar um instrumento como este, mais vistoso em grupos como o Man At Work?!

De verdade, quem pensou nessa possibilidade é um verdadeiro gênio.

Perfect Pattern Watcher possuí riffs lânguidos com certas nuances Avantgarde a lá Mayhem, que se misturam com passagens mais melódicas, que rapidamente, deságuam nos já conhecidos guturais apresentados pelo Warshipper. Destaco a belíssima passagem com toque de violões eruditos com um belo baixo fretless ao fundo. A letra possuí uma forte carga existencialista nietzschiana.

E essa forte queixa existencial parece ainda percorrer a belíssima e camaleônica, Morphine. Uma faixa, cujos vocais, são tão graves como os do saudoso Peter Steele do Type O Negative, em uma canção de atmosfera desoladora, que coloca o ouvinte em um torpor contemplativo, quase anestésico. Alguém aí que já usou morfina pode confirmar se é essa a sensação, quando a mesma corre por nossa corrente sanguínea? Mais um excelente ponto de destaque ao trabalho.

Tirando o ouvinte da zona de um conforto quase mórbido causado pela faixa anterior, The Night of The Unholy Archangel é uma música rápida com pegada bastante cativante, e por vezes juvenil (no bom sentido da coisa), que só engrandece ainda mais o trabalho de bateria de Queiroz, que aqui, apresenta diversas nuances e alternâncias de andamento com maestria e perfeição.

The Twin of Icon pode até enganar o ouvinte com um início quase clerical, mas é questão de pouco segundos, até a porradaria voltar a reinar com supremacia. E até esse ponto da audição, já está mais do que comprovado como o Warshipper tem uma facilidade extrema em criar músicas pesadas e melódicas, o que resulta em refrãos cativantes possíveis de serem cantarolados por horas a fio.

Aqui vai uma curiosidade: tanto The Twin of Icon, quanto The Night of The Unholy Archangel tratam-se de regravações do Zoltar e Bywar, bandas anteriores ao Warshipper que Nekathor e Roveran integravam. Mesmo sem conhecer as versões originais, achei valioso o resgate.

Teoricamente, o disco se encerraria com a caótica Magnificent Insignificance, uma faixa onde toda a técnica, diversificação e mudanças de andamento presentes durante todo o decorrer da obra , se encontram e se elevam a enésima potência, tornando-a a faixa onde o virtuosismo e o peso se encontram em perfeita harmonia.

Mas para mais uma vez impressionar o ouvinte, a faixa bônus Guilt Trip só enfatiza ainda mais a veia multifacetada da banda, ao se iniciar como algo mais voltado a um Country/Stoner Rock com vocais Hatfieldianos, que aos poucos, sofre mutações até se tornar em mais uma pedrada do Metal Extremo tão bem executado pelo Warshipper

Lançado oficialmente em 26 de maio de 2023, o quarto disco do Warshipper foi gravado nas imediações do Casanegra Studio em São Paulo, contando com a produção de cunho próprio do grupo. Já a mixagem e masterização ficaram à cargo de Rafael Augusto Lopes, que realizou um trabalho extremamente competente, fazendo da sonoridade da banda algo cristalino, onde cada instrumento se encontra precisamente em seu devido lugar, porém, sem que isso comprometa a brutalidade inerente à banda.

Já belíssima arte de capa, uma incrível pintura à óleo sobre tela, é de autoria do Artista (sim, com A maiúsculo mesmo) Gabriel Augusto, que contou com o auxílio de Felipe Zilbra no design. O desenho pitoresco só agrega curiosidade ao conteúdo do trabalho e é ainda mais realçado na incrível edição física que o álbum ganhou, sendo lançado em uma caprichada edição em Digipack, com direito a pôster, pelo selo Heavy Metal Rock.

Confesso que ainda não tive tempo para conferir os trabalhos da banda, a ponto de poder dar um parecer evolutivo em relação aos álbuns anteriores, mas posso afirmar sem medo de errar, que Essential Morphine é um dos discos mais criativos e miscelânicos que já me deparei dentro da minha jornada pelo underground nacional.

A banda não tem medo da quebra de paradigmas com o Metal Extremo, realizando a façanha de acrescentar todos os diferentes elementos atípicos ao gênero, de forma totalmente natural, sem precisar apelar para forçações de barra, que muitas bandas do mainstream brasileiro já ofereceram para se afirmarem como “diferentonas”, mente abertas ou diversificadas.

Sei que o seguinte argumento é algo recorrente em muitas de minhas resenhas, mas aqui, ele se faz ainda mais necessário tamanha a quantidade de camadas sonoras que o Warshipper apresenta no trabalho. Assim, Essential Morphine é mais um daqueles fatídicos casos, onde o fator replay é primordial para captar todas as nuances que cada faixa do trabalho expele. Uma notável surpresa que com certeza, figurará entre os melhores discos do ano, em portais onde o olhar para o cenário nacional realmente ocorre.

Tracklist
01-Religious Metastasis
02-Migrating Through Personality Spectra
03-Perfect Pattern Watcher
04-Morphine
05-The Night of The Unholy Archangel
06-The Twin of Icon
07-Magnificent Insignificance
08-Guilt Trip

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